sábado, 8 de janeiro de 2011

Homofobia nas Escolas II



               As escolas brasileiras são hostis aos homossexuais e o tema da sexualidade continua sendo pouco discutido nas salas de aula. Essas são as principais constatações da pesquisa Homofobia nas Escolas, realizada em 11 capitais brasileiras e na qual foram ouvidos 1,4 mil professores, gestores e estudantes durante o ano de 2009. O estudo é uma iniciativa da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Traves tis e Tran sexuais (ABGLT), Gale , Repro latina, Pathfinder, Ecos, e Ministério da Educação.

               "A homofobia é negada pelo discurso de que não existem estudantes LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e travestis] na escola. Mas quando a gente ia conversar com os estudantes, a percepção, em relação aos colegas LGBT, era outra", contou uma das pesquisadoras, Magda Chinaglia.

               Parte dos dados, com destaque sobre a situação na cidade do Rio, foi divulgada hoje (4), na própria capital. Os dados completos, com informações sobre a visita a 44 escolas de todas as regiões do país e trechos de 236 entrevistas feitas com professores, coordenadores de ensino, alunos do 6º ao 9º ano, além de funcionários da rede, devem ser divulgados até o final do ano.

               De acordo com a pesquisa, os homossexuais são bastante reprimidos no ambiente escolar, onde qualquer comportamento diferenciado "interfere nas normas disciplinares da escola". "Ouvimos muito que as pessoas não se dão ao respeito. Então, os LGBT têm que se conter, não podem [se mostrar], é melhor não se mostrarem para serem respeitados", contou a pesquisadora.

               A pesquisa também revela que pouquíssimos alunos se declaram gays, uma parcela menor se declara lésbica e nenhum se declara travesti. A não declaração, de acordo com a pesquisa, é resultado do preconceito contra os homossexuais e a falta de preparo dos professores e autoridades na área da educação. No caso dos travestis, a situação é mais grave. Além da invisibilidade, fenômeno que faz com que os alunos e as alunas homossexuais não sejam reconhecidos, nenhuma escola autorizava o uso do nome social (feminino) e tampouco o uso do banheiro de mulheres. "Os travestis não estão nas escolas. A escola exige uniforme, não deixa os meninos usarem maquiagem. Os casos de evasão [escolar] são por causa dessas regras rígidas", explicou Magda". A explicação das escolas para ausência de travestis, segundo os pesquisadores, é o fato de a pesquisa não ter como alvo instituições de ensino médio. Entretanto, os dados mostram que a "organização da escola, com suas normas e regras, não permitem a presença da travesti nesse ambiente". A constatação é ilustrada pelo depoimento de uma autoridade: "Eu tenho uniforme... maquiagem a gente não permite."

               De um modo geral, não existe educação sexual sendo realizada de forma sistemática nas escolas. Quando existe, é pontual para responder alguma dúvida do aluno e os professores não abordam a questão da diversidade", analisou a doutora em Educação e responsável pela pesquisa Margarita Diaz. "Todo mundo conhece algum LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis e Transexuais), mas nunca ele está dentro da escola", completou ela, que representa a instituição Reprolatina, responsável pela execução da pesquisa.

               De acordo com a vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT, Marjorie Marchi, que assistiu à divulgação dos dados, é principalmente a exclusão educacional que leva muitos travestis à prostituição. "Aquele quadro do travesti exposto ali na esquina é o resultado da falta da escola. Da exclusão", disse.

               Em relação à educação sexual, os professores alegam que o tema não é muito discutido porque as famílias podem não aprovar a abordagem. "Existe um temor da reação desfavorável das famílias, Mas isso é o que eles [os professores] dizem", afirmou Magda. "Os estudantes não colocam a família como um problema. Aqui, cabe outra pesquisa para saber se as famílias interferem", completou.

               A pesquisa não analisou especificamente os casos de violência, embora os especialistas tenham citado a ocorrência de brigas motivadas pela orientação sexual da vítima e colhido inúmeros relatos de episódios de homofobia. O objetivo é que o documento auxilie estados e municípios a desenvolver políticas públicas para essa população.

               "As pessoas estão sendo agredidas diuturnamente dentro das escolas, em todas as capitais. A educação é um direito. Não pode ser [a violência contra homossexuais na escola]. Presenciamos um menino sendo espancado e sendo chamado de ‘veadinho‘. Estamos falando de escolas de 6º ao 9º", destacou a pesquisadora.

               No Rio, as secretarias estaduais de Assistência Social e de Educação trabalham juntas num projeto de capacitação de professores multiplicadores em direitos humanos com foco no combate à homofobia. A meta é capacitar cerca de 8 mil dos 75 mil professores da rede até 2014.


               CULPA
               Entre os educadores, chamou a atenção a culpabilização dos homossexuais. Um professor disse "não quero ser injusto, mas tem uns (homossexuais) que querem chocar". A questão religiosa também foi citada como causa da falta de uma educação sexual que leve em conta a diversidade. Os professores não sabem como trabalhar a diversidade sexual, nem combater a homofobia. Como conseqüência, os meninos e meninas têm baixa auto-estima, queda no rendimento ou abandono escolar e depressão.

               A fala dos professores mostra que a orientação sexual dos adolescentes é “tolerada” quando não há uma demonstração clara da ho mossexualidade, por exemplo. Os jovens que mais sofrem com a discriminação são aqueles que assumem a orientação. No grupo que mais sofre estão travestis e transexuais. “Para a escola, é como se essa população não existisse”, conta Margarita.

               Os pesquisadores presenciaram cenas de violência física contra jovens homossexuais em que professores e inspetores estavam próximos e não tomaram nenhuma atitude. Existem relatos de suicídios de alunos vítimas da discriminação. “Há um consenso de que existe preconceito e que os docentes não sabem lidar com isso. Em geral, associa-se a homofobia somente com a agressão física e não com as demais manifestações”, afirma Margaríta. Os educadores alegam falta de tempo e preparo para não trabalhar questões relativas à diversidade. Há ainda receio de “incentivar” a vida sexual dos alunos.

               Coordenador do Programa Rio sem Homofobia, Cláudio Nascimento explica que a pesquisa servirá como base para a elaboração de políticas públicas contra a homofobia em todo o País. "Vamos realizar um seminário para a discussão e planejamento de políticas."

               O estudo tem o objetivo de tirar do papel políticas públicas já existentes para combater o preconceito contra a população LGBT. “O Brasil Sem Homofobia é um programa federal já em curso. Mas ele não chega até a sala de aula”, argumenta a pesquisadora responsável pelo estudo, Margarita Díaz.

               Os relatos divulgados são de autoridades, professores e alunos do município do Rio. Em cada cidade, 134 pessoas de quatro escolas foram entrevistados. Ao todo, foram ouvidas 1406 pessoas nas capitais: Manaus (AM),Porto Velho (RO), Natal (RN), Recife (PE), Cuiabá (MT), Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS).

               Além das entrevistas e grupos focais, os pesquisadores analisaram o ambiente escolar. Em nenhuma escola de Curitiba, por exemplo, havia qualquer cartaz ou menção aos direitos humanos ou diversidade sexual. “Os próprios estudantes afirmam que a escola deveria ser um ambiente mais acolhedor ao trabalhar com a diversidade”, explica a pesquisadora.


               QUESTÃO DE RESPEITO
               Para Toni Reis, presidente da ABGLT, o que o movimento social deseja não é um privilégio no ambiente escolar e sim respeito à diversidade sexual. “Queremos o cumprimento da Constituição Federal, que diz que todos são iguais e não haverá discriminação.” Para mudar essa situação, ele sugere capacitação e apoio aos docentes. Como resultado da pesquisa, foram gerados materiais de apoio que serão distribuídos aos docentes. Segundo Toni, hoje a homossexualidade é crime em 75 países do mundo e em sete é punida com pena de morte.

               A presidente do Grupo Dignidade, Rafaelly Wiest, transexual mulher, diz que a pesquisa confirmou na prática o que a entidade observa há anos. “Não queremos que, em função da exclusão escolar, viver à margem seja a única opção de travestis e transexuais”, explica. “Qualquer indivíduo para entrar no mercado de trabalho precisa de qualificação. Essa população não consegue sequer terminar o ensino fundamental.”

               Participaram do estudo estudantes do 6.º ao 9.º ano e professores e gestores de escolas públicas de Manaus (AM), Porto Velho (RO), Recife (PE), Natal (RN), Goiâ nia (GO), Cuiabá (MT), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR). Os resultados são qualitativos e, portanto, não há porcentuais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário