sábado, 8 de janeiro de 2011

Roberto DaMatta: De um jeito bem brasileiro.


Em 1979, Roberto Augusto DaMatta publicava o livro sobre o qual falaria incansavelmente em seminários e palestras nos 30 anos seguintes. Historiador pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em Antropologia pela Universidade de Harvard, DaMatta não imaginava que, em sua linguagem simples e direta, acabara de escrever o que até hoje é um dos maiores clássicos da Antropologia brasileira: Carnavais, malandros e heróis. Atualmente professor emérito da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, e professor do Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o antropólogo, que já rodou o mundo com suas aulas e agora confessa estar “com alergia ao exterior”, vive no momento para “ler, estudar, escrever, estar com os amigos e criar os netos”. Entretanto, diante do sucesso perene, ainda se vê obrigado a responder vez por outra à inevitável pergunta: por que Carnavais continua tão atual?

Globo Universidade – Você é niteroiense, do Estado do Rio de Janeiro. Como aconteceu essa trajetória da — não faz tanto tempo assim — capital fluminense para as grandes universidades do mundo?
Roberto DaMatta – Estudei em Niterói, no bairro de Maceió, mas também nas cidades mineiras de São João Nepomuceno e Juiz de Fora. Em seguida, voltei à então capital e terminei minha formação secundária e universitária, seguindo para uma pós-graduação no Museu Nacional (da Universidade do Brasil, hoje a Federal do Rio de Janeiro), onde iniciei meus estudos de pós-graduação e me profissionalizei. Depois, fui para Harvard e fiz meu mestrado e doutoramento em Antropologia Social no início dos anos 1970.

GU – Como ocorreu essa passagem da História, em que se graduou pela UFF em 1962, para a Antropologia, em que se especializou e para a qual se dedica até hoje?
RDM – Sempre me interessei por muita coisa ao mesmo tempo. Queria ser cantor, pintor, arquiteto, escritor... No momento do vestibular, vi que o melhor seria estudar História e, durante o curso, Castro Faria, um professor que era do Museu Nacional, abriu-me as portas de um estágio na Quinta da Boa Vista (no Rio de Janeiro, onde fica o museu) e eu comecei minha carreira. Hoje, penso que estou mais para uma Literatura Antropológica que para a Antropologia Social.

GU – Seu doutorado em Harvard termina em 1971, e um dos seus mais famosos livros, Carnavais, malandros e heróis, é de 1979. A experiência no exterior foi importante para sua interpretação do Brasil?
RDM – A experiência de vida nas aldeias indígenas do Brasil central e na grande aldeia harvardiana, nos Estados Unidos, foi fundamental. Nas primeiras, eu aprendi a considerar o valor dos símbolos, mais do que das utilidades, como elementos básicos da vida social; na segunda, aprendi o valor da igualdade como prática social. Ao voltar ao Brasil, entendi que poderia usar a experiência antropológica plasmada no estruturalismo levistraussiano e dumonciano (relativo aos antropólogos franceses Claude Lévi-Strauss e Louis Dumont) para estudar nosso país por meio do carnaval, do “você sabe com quem está falando?” e de seus personagens malandros e santos.

GU – Por que Carnavais, com 30 anos de idade, parece tão atual ainda hoje?
RDM – Porque o livro tem sido mais bem compreendido agora do que quando foi publicado. Naquele momento, foi tachado por muitos como reacionário por não citar Marx, não falar em luta de classes, não estudar camponeses ou operários e, pelo contrário, falar deles como carnavalescos e religiosos. Eu falava do carnaval como ritual, de messianismos como movimentos de renúncia do mundo; citava como inspiração principal o comparativismo de Tocqueville (que ninguém conhecia no Brasil); e analisava o país sem dar receitas sobre como ele deveria ser. Isso, junto a uma linguagem clara, que até hoje atrai o leitor.

GU – Você costuma trabalhar com frequência no exterior. Ainda pretende tocar projetos em outros países?
RDM – Voltei definitivamente ao Brasil em 2004. Fui admitido na PUC-Rio e estou feliz. Não pretendo voltar para nenhum outro país e, no momento, estou com alergia ao exterior. Sou um ex-professor de Notre Dame e tenho muito gosto em ser professor da Universidade Católica.

GU – Suas atividades envolvem a docência, conferências, produção de televisão, colunas de jornal, entre outras. A que tem se dedicado atualmente?
RDM – Vivo para ler, estudar, escrever, criar meus netos, ser amigo dos meus filhos e amigos e dar aulas. Também estou envolvido com o projeto “Sociologia do Trânsito”, e devo publicar neste ano um livro sobre o assunto com colegas da Universidade Federal do Espírito Santo. Outro livro que deve sair até junho é o Crônicas de vida e morte, pela editora Rocco. Nele, reúno textos publicados nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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